“Me percebi indígena, e não me descobri. Essa palavra descobrimento é um estigma para nós povos indígenas. Mas me percebi indígena há sete anos e desde então tenho vivido como uma mulher indígena” – Trudruá Dorrico.

 

“Olhar para esse dossiê Mulheres Negras e entender por esses marcadores terríveis, marcadores do racismo, que aquela era a história da minha família era algo muito perverso, descobrir-se negra pela dor” – Bianca Santana.

Por Márcia Maria Cruz

A audiodescrição feita pelos autores no início da apresentação deu uma ideia do encontro realizado no terceiro dia do Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá –, na Fundação Calmon Barreto, nesta sexta-feira (21/6). 

Trudruá Dorrico apresentou as características de uma mulher indígena macuxi. Bianca Santana falou dos traços de uma mulher negra e Sérgio Abranches se descreveu como um homem branco. Além de conduzir a audiodescrição, os autores abordam como o pertencimento, a percepção desses marcadores de gênero e raça refletem-se na escrita. 

Os três apresentam como passaram a se perceber pelas próprias características, mas também por meio do olhar do outro. Trudruá percebeu-se indígena há sete anos, e desde então passou a viver como mulher indígena. A autora de “Eu sou macuxi e outras histórias” contou como foi esse processo de se entender como uma mulher indígena. 

Esse processo de autopercepção também faz com que se olhe de maneira crítica à forma com que a sociedade vê determinados grupos. Ela lembrou de como os povos indígenas são sub-representados. Trudruá questiona, por exemplo, a temporalidade associada aos povos indígenas, como se estivessem estacionados em 1500, sem perceber a construção de saberes desses povos. Os indígenas são vistos como uma imagem congelada do Brasil.

Bianca costuma fazer referência ao livro “Quando me descobri negra” para responder  sobre o momento em que percebeu sua identidade racial. No entanto, ela lembrou de dois outros episódios em que foi convocada a pensar sobre o pertencimento racial. O primeiro deles foi quando recebeu um convite da Uneafro para falar sobre mulheres negras para um evento na Noruega. 

Para preparar a fala, Bianca buscou como referência o dossiê Mulheres Negras, elaborado pelo Ipeafro. Percebeu que os indicadores aplicavam-se a ela ou à mãe dela, como ser a primeira da família a ingressar na universidade, ser a que ocupa o trabalho doméstico. “Olhar para esse dossiê Mulheres Negras e entender, por esses marcadores terríveis, marcadores do racismo, que aquela era a história da minha família e que era algo muito perverso, descobrir-se negra pela dor”. 

Outro momento que Bianca se percebeu negra foi o convite para lecionar em um cursinho do Educafro. “Na universidade, eu me entendo negro, mas quem nomeou isso para mim foi um ativista de um cursinho, Educafro. O coordenador do cursinho disse ‘vai ser ótimo para os estudantes negros olharem alguém como eles, que estuda na Universidade de São Paulo, na Cásper Líbero, vai ser uma referência muito boa. Vai ser muito bom, uma professora negra’”, recordou-se Bianca.

Sérgio Abranches também falou sobre a compreensão de ser um homem branco e o que isso representava na sociedade brasileira em termos de acessos e possibilidades que não eram os mesmos para pessoas negras. Na juventude, Sérgio percebeu o racismo na forma como um amigo negro e irmão eram tratados. Outro momento foi já na vida adulta quando foi professor de sociologia. A convivência de Sérgio com Lélia González também foi fundamental para que ele pudesse questionar o racismo e o machismo.

Trodruá, no processo de se tornar indígena, buscou referências na literatura indígena. Inclusive a literatura indígena em outras línguas, no inglês e no francês. Trodruá leu um um conto “O homem do ouro”, escrito em 2019, que fala do pai que foi garimpeiro. Ao fim, os autores discutiram como a compreensão desse pertencimento implica a forma como se relacionam com o mundo. 

Sobre o Fliaraxá

A CBMM apresenta, há 12 anos, o Festival Literário Internacional de Araxá, um festival literário com atividades acessíveis, inclusivas, antirracistas, éticas, educativas e em equilíbrio com a diversidade, economia criativa, raça, gênero e pessoas com deficiência. Toda a programação é gratuita, garantindo a democratização do acesso. O Fliaraxá tem, também, o patrocínio do Itaú, da Cemig e do Bem Brasil, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Participam, na qualidade de apoio cultural, a Prefeitura de Araxá, a Fundação Cultural Calmon Barreto, a TV Integração, a Embaixada Francesa no Brasil, o Institut Français e a Academia Araxaense de Letras. Todas as atividades do Festival são gratuitas, com a curadoria nacional de Afonso Borges, Tom Farias e Sérgio Abranches e curadoria local de Rafael Nolli, Luiz Humberto França e Carlos Vinícius Santos da Silva.

Serviço

12.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá
De 19 a 23 de junho de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Programação presencial na Fundação Cultural Calmon Barreto (Praça Artur Bernardes, 10 – Centro), e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @‌fliaraxa
Entrada gratuita
Informações para a imprensa: imprensa@fliaraxa.com.br
Jozane Faleiro  – 31 99204-6367/ Letícia Finamore – 31 98252-2002