Peça integra a programação do Festival Literário, que será realizado entre os dias 19 e 23/6, na Fundação Cultural Calmon Barreto, no centro da cidade mineira

A escritora Marcia Tiburi traz ao 12.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá – a arte “Sous mes pieds, mon corps”. Trata-se da versão francesa do romance “Sob os pés, meu corpo inteiro”, publicado em 2018 pela Editora Record e indicado ao prêmio Oceanos em 2019. A obra visual foi criada utilizando as técnicas de desenho e bordado e foi realizada entre abril de 2021 e fevereiro de 2022 num ateliê ao norte de Paris.

“Sous mes pieds, mon corps” ficará exposta durante a realização do evento, entre os dias 19 e 23 de junho, na livraria montada na Fundação Cultural Calmon Barreto, na Praça Artur Bernardes, 10 – Centro, Araxá-MG.

O livro que inspira a obra é um romance que une passado e presente e situa-se em uma São Paulo distópica, mas perigosamente familiar, contando a história de uma mulher que não foi capaz de viver a própria vida e de uma jovem à procura da mãe desaparecida durante a ditadura militar. Ao longo da trama, as duas personagens envolvem-se em um jogo de aproximações e distanciamentos em meio a uma cidade apodrecida, em que a insegurança, a crise hídrica, os golpes de Estado e uma elite política carcomida, na qual se destaca um psicopata que manda pintar os muros de cinza, são o retrato do que se construiu a partir do fim das utopias. Nesta obra, marcada por reviravoltas, ressentimentos, dívidas e buscas pela verdade, em um contexto em que estar vivo ou morto não só é uma questão de sorte como também de perspectiva, Marcia Tiburi escreve sobre cicatrizes profundas que se tornaram invisíveis com o tempo – consequências da reinvenção de um passado diante da necessidade de salvar o próprio futuro.

Através de um diálogo entre a palavra escrita e a expressão artística, Tiburi traduz algumas de suas inquietações que surgiram durante a escrita do livro. “Esse trabalho tinha um lance da ficção climática que era imaginar a cidade de São Paulo sem água – o que hoje em dia não é mais tão ficção. Eu fiz aquele livro, desenhei aquilo tudo, nesse pano”, conta a escritora e artista plástica a respeito da peça a ser exposta no Fliaraxá.

Sobre a obra, Marcia Tiburi conta:

Em 2018 publiquei um romance chamado “Sob os pés, meu corpo inteiro” pela Editora Record, e que foi indicado ao Prêmio Oceanos em 2019. Ele conta a história de Alice, uma mulher que volta ao Brasil depois de anos exilada por problemas políticos. Ela havia sido presa e torturada pelo regime militar mesmo sem estar envolvida em política. Na verdade, sua irmã mais velha era líder estudantil e foi morta pelo regime. Alice consegue fugir usando os documentos da irmã. Acompanhando o marido doente, ela volta ao Brasil e, a partir de sua morte, ela começa a descobrir os bastidores de sua saída do Brasil.  

 

No ano de 2018, depois de problemas políticos, a exemplo da minha personagem, eu precisei sair do Brasil. A convite de Henry Reese, o homem que estava ao lado de Salman Rushdie quando ele foi esfaqueado por um fanático islâmico, acabei indo para uma instituição que protege escritores perseguidos no Estados Unidos. Estando muito perdida, eu passava os meus dias escrevendo e desenhando, e vim a receber uma bolsa de um fundo de proteção a artistas. A instituição que me recebeu ficava em Pittsburgh, perto da casa onde nasceu Gertrude Stein. 

 

Tendo recebido também um convite para uma universidade de Paris, acabei, a exemplo de Gertrude Stein, me mudado para a França onde acabei escrevendo outros livros. Entre 2021 e 2022 tive um ateliê em Paris numa época de muita solidão. A pandemia nos tornava a todos exilados em nossas próprias casas, mas eu vivia também um exílio longe da minha casa e do meu país. Eu estava sofrendo uma campanha de difamação e ameaças de morte que duraram por anos num cenário de guerra de desinformação e Fake News que eu vinha denunciando nos meus ensaios de não-ficção. 

 

Eu passei quase um ano no ateliê que ficava ao norte de Paris, até que ele foi demolido. Talvez eu tenha sido a última artista a sair de lá. Durante aquele período, de segunda a segunda, trabalhei em muitos desenhos e pinturas para fazer uma exposição, que veio a acontecer em Paris em 2022, e todo o tempo na transcrição do romance “Sob os pés, meu corpo inteiro” em francês. Foi um trabalho imenso no pano de quase 3 metros por 6 metros de largura. Escrever o texto na íntegra era uma espécie de trabalho espiritual: a letra gera espírito. O processo envolvia muita paciência e abertura ao acaso, ao mesmo tempo que capacidade de concentração, atenção e imaginação. À medida que fui escrevendo, senti vontade de desenhar e depois comecei a bordar, pois havia necessidade de texturas, de linha e de camadas que protegessem a superfície ao fundo, como pele que protege a carne. Os signos foram aparecendo em função de alguns acontecimentos vividos naquela época, além da própria história, que pedia uma interação visual. Não se trata de uma ilustração, mas de uma versão visual de uma obra literária e que não deixa de ser literária por ser visual. 

 

Posso dizer que fui protegida pela escrita desse livro. Eu sobrevivi por meses graças a ele e segui sobrevivendo devido ao que ele me pedia, que eu me entregasse àquela linguagem em jogo. Meu gesto era um ritual diário de salvação, um ritual apotropaico em que a busca da beleza e a prática incessante do dever de escrever me faziam viver um dia de cada vez, letra por letra, centímetro por centímetro. Hoje, eu me dedico a escrever outros livros à mão para preservar o trabalho da escrita. Desvendar os significados desse processo cabe aos leitores, que interrogados pelo incompreensível, podem experimentar os prazeres da imaginação”.

Nome confirmado da 12ª edição do Fliaraxá, Marcia Tiburi é graduada em Filosofia e Artes, mestre e doutora em Filosofia e pós-doutora em Artes pela Unicamp. Sua área de investigação situa-se entre a Estética e a Política. Atualmente, é pesquisadora associada e professora convidada da Universidade de Paris 8. Autora de sete romances e finalista do Prêmio Jabuti e do Oceanos, Marcia terá toda a sua obra ficcional publicada pela Editora Nós, que já publicou o volume de contos “Quatro passos sobre o vazio” (2019), a peça “Um fascista no divã” (2021), além de “O contrário da solidão” (2021), pela Nós Portugal, e “Sous mes pieds, mon corps” (2022), pela Nossa Éditions. Seu lançamento mais recente é “Com os sapatos aniquilados, Helena avança na neve”, publicado pela Editora Nós, em 2023.

A escritora e artista plástica participa de duas mesas do Fliaraxá, sendo a primeira no dia 21/6, sexta-feira, às 18h, junto de Stefano Volp e Geovani Martins e a segunda dia 22/6, sábado, às 16h, com Geovani Martins e Aline Bei. Ambas as palestras acontecem no Auditório 1.

Sobre o Fliaraxá

A CBMM apresenta, há 12 anos, o Festival Literário Internacional de Araxá, um festival literário com atividades acessíveis, inclusivas, antirracistas, éticas, educativas e em equilíbrio com a diversidade, economia criativa, raça, gênero e pessoas com deficiência. Toda a programação é gratuita, garantindo a democratização do acesso. O Fliaraxá tem, também, o patrocínio do Itaú e Bem Brasil, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Participam, na qualidade de apoio cultural, a Prefeitura de Araxá, a Fundação Cultural Calmon Barreto, a TV Integração, a Embaixada Francesa no Brasil, o Institut Français e a Academia Araxaense de Letras. Todas as atividades do Festival são gratuitas, com a curadoria nacional de Afonso Borges, Tom Farias e Sérgio Abranches e curadoria local de Rafael Nolli, Luiz Humberto França e Carlos Vinícius Santos da Silva.

Serviço

12.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá
De 19 a 23 de junho de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Programação presencial na Fundação Cultural Calmon Barreto, e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @fliaraxa
Entrada gratuita

Informações Para Imprensa

imprensa@fliaraxa.com.br
Jozane Faleiro  – 31 99204-6367/ Letícia Finamore – 31 98252-2002