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José Eduardo Agualusa: “O Brasil se reconhece na literatura africana”

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Homenageado do IX Festival Literário de Araxá traça paralelos entre o Brasil e a Angola e fala sobre o seu novo livro “Os Vivos e os Outros”

O escritor angolano José Eduardo Agualusa foi recebido por Afonso Borges para uma conversa sobre a literatura africana e as coincidências e as diferenças entre o que é produzido nos países de língua portuguesa. O autor é um dos homenageados do IX Festival Literário de Araxá, junto da escritora mineira Conceição Evaristo. A entrevista foi ao ar em 8 de setembro de 2020 e foi realizada de forma remota e exibida no Youtube, Instagram e Facebook do Fliaraxá, por conta da pandemia de coronavírus. Enquanto Afonso estava em Belo Horizonte, Agualusa estava no litoral de Moçambique.

“Os Vivos e os Outros” é o novo livro do autor, lançado em julho de 2020, e conta a história de um grupo de escritores em um festival literário de Moçambique que, por causa de fortes chuvas que abalam o continente africano, as comunicações são cortadas e inicia-se um boato de que o mundo do outro lado da ponte tinha acabado. O autor comenta que as pessoas estão na ilha como se fosse a espécie de um purgatório. “Alguns sentem que estão no paraíso, outros que estão no inferno e percebem que a única maneira de iniciar o mundo é através da palavra. Levando a sério a primeira frase da bíblia de que “no princípio era o verbo””, conta Agualusa.

A relação de Agualusa com o Fliaraxá teve início junto ao Festival, quando foi o primeiro autor estrangeiro a comparecer ao evento. E sobre a relação com o Brasil é também estreitada quando se torna colunista do jornal O Globo. Sobre as crônicas publicadas ele afirma que, “ao contrário do que os outros pensam, a gente não recebe tantos retornos assim, eles são bem maiores quando a temática é política, porque as pessoas mais facilmente escrevem para dizer que não gostam, do que para dizer que gostam.”

Brasil e o continente africano

O autor também reconhece no Brasil uma vontade de ler a literatura feita no continente africano e diz ainda que o Brasil consegue se reconher nessa literatura porque o Brasil é, antes de tudo, um país de matriz africana. “Quando o brasileiro desembarca em Angola ele sente isso, porque é uma ligação muito mais profunda do que aquela que liga o Brasil à Europa”. Agualusa também fala sobre a importância dos brasileiros redescobrirem essa África contemporânea, jovem, que produz literatura e cultura.

Além da peça “Aquela Mulher”, escrita especialmente para Marília Gabriela, o livro “O Vendedor de Passados”, de Agualusa, foi adaptado para o cinema pelo diretor Lula Buarque de Holanda. O filme tem Lázaro Ramos no papel principal. Além disso, dois outros livros, “As Mulheres do Meu Pai” e “A Teoria Geral do Esquecimento”, já estão sendo pensados como filme em Portugal e na França, respectivamente.

Bibliotecas e incentivo à leitura

Um fenômeno recente é a entrada de autores de língua portuguesa no Brasil. O inverso já foi importante, principalmente os clássicos, como Jorge Amado, Graciliano Ramos, e, de acordo com Agualusa, contribuíram muito para a formação da literatura angolana. “Só que a diminuição no número das livrarias, com a independência, quebrou essa ligação e nunca mais foi refeita. No caso de Portugal, os autores brasileiros continuam a entrar mas não vendem. Para Agualusa, isso é resultado de uma diferença na forma que Portugal vê a leitura, que tem muito mais incentivo governamental a bibliotecas do que no continente africano.

Este também é um movimento nos países do norte da Europa, onde as editores são pequenas e vendem poucas unidades porque as redes de biblioteca pública são muito boas e já possuem os exemplares dos livros. No caso do continente africano, a população é composta em 70% por pessoas com menos de trinta anos, se tornando, de acordo com Agualusa, cada vez mais importantes políticas que atraiam esse público para a leitura, “As pessoas querem muito ler, mas não conseguem porque o livro ainda é muito caro”, comenta o escritor.

O IX Fliaraxá – Festival Literário de Araxá acontece dos dias 28 de outubro a 1° de novembro e a programação completa pode ser vista em www.fliaraxa.com.br. Junto a José Eduardo Agualusa também é homenageada dessa edição a autora Conceição Evaristo. Os patronos são Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto que, se vivos, completariam 100 anos em 2020. O patrono local é o artista plástico nascido em Araxá, Calmon Barreto.