A gripe espanhola, que durou de 1918 a 1920, teve efeito devastador no mundo, infectando e matando milhões de pessoas. Após 100 anos, uma nova pandemia atinge a humanidade, e lidar com ela não está sendo tarefa fácil, já que as possíveis lições da primeira não estão sendo utilizadas para o momento atual.

O paralelo entre essas duas épocas foi tema da mesa “Gripe espanhola e pandemia hoje” com Heloisa Starling, historiadora e professora da UFMG, e Lilia Schwarcz, historiadora e professora da USP. Elas apresentaram o livro “A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil” e contaram sobre o desafio de resgatar como foram os procedimentos no Brasil desde a chegada do vírus até que se ele se dissipasse. A mediação foi de Afonso Borges.

O silêncio

Para construir o livro, as autoras debruçaram-se sobre alguns aspectos fundamentais. Um deles foi o silêncio, porque nos livros de história e de literatura pouco se falou sobre a gripe espanhola. “Por que será que um país como o Brasil, com tantos cronistas, ninguém parou para escrever sobre o assunto?”, comentou Lilia Schwarcz. O resultado, agora, foi um livro para responder às perguntas que as historiadoras faziam para elas mesmas: o que aconteceu no tempo da gripe espanhola?

Outra motivação, que tem relação com a pandemia do coronavírus, foi o discurso repetitivo das autoridades. De acordo com Heloisa Starling, muito se falou sobre o ineditismo do vírus. “Ficamos cabreiras com o que estava sendo dito e resolvemos perguntar para o passado”, destacou Starling. Foi assim que se deram conta de que o aprendizado de 100 anos atrás poderia fornecer conteúdo e elementos para o enfrentamento da crise sanitária atual. “Mas isso desapareceu da história do Brasil.”

Sendo assim, optaram por estudar o percurso da gripe na chegada de navio, no Recife, passando por Salvador, Rio de Janeiro, Santos e descendo para o Uruguai e para a Argentina. Além disso, foi analisado o caminho traçado por terras e por rios para o interior. “Nos preocupamos em entender como as pessoas lidaram com a situação. Essa história precisa ser contada para que as pessoas consigam enfrentar a situação de hoje”, destacou Heloisa Starling.

Relação direta com o momento atual

Um dos principais pontos de reflexão é a diferença do Brasil de hoje. O avanço da gripe espanhola por aqui foi ignorado. “Achavam que não ia chegar aqui. Foi subestimada, inclusive, pelo médico sanitarista Samuel Libânio”, recorda Starling. Além disso, outro ponto de conflito foi o político. “No Rio Grande do Sul, por exemplo, os jornais foram proibidos de dar informações até que saísse o resultado das eleições. Ou seja, a situação quer manter tudo calado, e a oposição quer usar a informação para se valer do momento e subir”, enfatizou Lilia Schwarcz. 

O negacionismo também esteve presente em 1918, bem como a propagação de informações falsas. Na época, estudos mostraram que o medicamento “sal de quinino”, utilizado contra malária, poderia ser uma alternativa para a gripe espanhola. No entanto, as conclusões disseram o contrário e apontaram diversos efeitos colaterais graves. Mesmo assim, uma farmácia em Belo Horizonte fez propaganda da medicação. Quer mais uma coincidência? O remédio tem a mesma base de composição que a cloroquina.

Pandemia não democrática

Cabe ainda frisar como as duas epidemias evidenciaram ainda mais a desigualdade social no país. “Muitas capitais embelezaram o centro e jogaram a doença para as suas periferias. A história de todas as capitais que estudamos, sem exceção, mostra que, assim como a Covid-19, a gripe espanhola não foi democrática”, revela Schwarcz. As populações mais afetadas foram os ex-escravizados, populações imigrantes, indígenas e os pobres. 

Por fim, Starling resumiu bem como seria um funcionamento efetivo da gestão da crise. “Cabe ao Governo Federal centralizar as ações que permitam a defesa dos brasileiros. Aos médicos e cientistas, orientar a nós e ao governo o que pode e o que não pode ser praticado nesse momento. À sociedade, ser capaz de ver o outro, agir como uma comunidade e não como um amontoado.”

A conversa completa das historiadoras com Afonso Borges você confere a seguir.

 

SOBRE O FLIARAXÁ

O Fliaraxá foi criado em 2012 pelo empreendedor cultural e diretor-presidente da Associação Cultural Sempre um Papo, Afonso Borges. As cinco primeiras edições aconteceram no pátio da Fundação Calmon Barreto e, a partir de 2017, o festival passou a ocupar o Tauá Grande Hotel de Araxá, patrimônio histórico do Estado de Minas Gerais, edificação construída em 1942. Naquela edição, nasceu também o “Fliaraxá Gastronomia”. Cerca de 140 mil pessoas passaram pelo festival. Mais de 400 autores participaram da programação.

IX FLIARAXÁ – FESTIVAL LITERÁRIO DE ARAXÁ – 28 DE OUTUBRO A 1.º DE NOVEMBRO DE 2020

Transmissão virtual 24 horas pelos canais:

 www.youtube.com/fliaraxá 

www.fliaraxa.com.br

Texto por Jaiane Souza/Culturadoria