“Eu moro na cidade. Esta cidade também é nossa aldeia. Não apagamos nossa cultura ancestral. Vem, homem branco, vamos dançar o nosso ritual”. Foram com esses versos, de sua autoria, que a escritora, compositora e professora Márcia Wayna Kambeba iniciou sua conversa na mesa “Literatura e fotografia na resistência indígena”. Ela, que é autora de livros como “Saberes da floresta”, “O lugar do saber ancestral” e “Ay Kakyri Tama”, conversou com o politólogo e escritor Sérgio Abranches sobre a riqueza cultural dos povos indígenas.

Doutoranda em Letras, Márcia destacou a importância de que as pessoas conheçam suas origens. “Todos nós temos uma ancestralidade, uma identidade. Eu sou Kambeba, mas no meu DNA também tem europeu, tem português, tem espanhol. Aí é que entra a questão: qual a ancestralidade que bate forte em você, que te convida ao comprometimento com aquele povo ao qual você afirma pertencer?”, indagou.

Para ela, a ancestralidade e a espiritualidade são inseparáveis. “A ancestralidade e o sagrado estão atrelados, unidos, de mãos dadas. E, para nós, povo indígena, tudo é sagrado. As árvores têm espírito, o rio é um ancestral, ele tem espírito, a terra é mãe, e a floresta tem seus protetores”, contou a autora.

Essas questões também foram abordadas pela indígena Trudruá Dorrico, pertencente ao povo Makuxi, na mesa “Como me descobri indígena”, ocorrida na última quinta-feira. Vencedora do concurso Tamoios de Novos Escritores Indígenas em 2019, Trudruá compartilhou com o público um pouco da sua própria história e da forma como compreendeu sua identidade indígena.

“Eu cresci em Rondônia como uma mulher indígena nascida fora de uma comunidade, de um território ancestral. Eu cresci consumindo uma literatura, arte e cultura (…) que tematizavam os povos indígenas de uma perspectiva pejorativa. Então, eu me olhava no espelho e via esse corpo indígena, mas, na minha mentalidade, eu me identificava com a Ceci, de ‘O Guarani’, que é uma personagem branca e europeia”, contou Trudruá, em referência a uma das personagens do romance histórico de José de Alencar, publicado 1857. Ela é doutora em Teoria da Literatura, mestre em Estudos Literários e licenciada em Letras – Português.

Durante o bate-papo, além de contar sobre suas próprias origens, Trudruá explicou a história da invasão do País pelos portugueses, em 1500, e a perpetuação das injustiças e violências contra os povos originários pelos séculos seguintes. “Muitas pessoas entendem que os povos indígenas foram os primeiros brasileiros, mas o que muita gente não sabe é que os povos indígenas foram os últimos a serem considerados brasileiros pelo Estado, que só reconheceu a cidadania deles em 1988”.

Ela afirma que esse é um problema que perdura ainda hoje porque, em geral, não se aprende sobre cultura indígena nas escolas do País. “Não existe, no Brasil, uma política da identidade, uma educação objetiva que fale sobre identidades indígenas. Essas identidades, enquanto fomos colonizados, foram apagadas da história. Essas pessoas, com o processo de escravização, de genocídio, de etnocídio, foram obrigadas a esquecer que eram originárias das primeiras nações, essas nações originárias”, explica.

Sobre o 11.º Fliaraxá

Norteado pelo tema “Educação, Literatura e Patrimônio”, o 11.º Fliaraxá acontece até dia 9 de julho, domingo, em formato figital – ou seja, de forma presencial, no Estádio Municipal Fausto Alvim, localizado no centro da cidade mineira; e digital, pelas redes sociais do evento. A estrutura inclui uma enorme livraria, três auditórios para debates e apresentações artísticas, espaço para crianças, área de gastronomia e palco para atrações musicais. Nesta edição, as Autoras Homenageadas são Eliana Alvez Cruz e Líria Porto, e o Patrono é Mário de Andrade, em celebração aos seus 130 anos de nascimento.

O Fliaraxá é apresentado pela CBMM, com patrocínio do Itaú e da Cemig, via Lei Federal de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, com apoio da TV Integração, Prefeitura Municipal de Araxá, Fundação Calmon Barreto, Câmara Municipal de Araxá, Academia Araxaense de Letras, Condor Eventos, Vale Sul/Goethe-Institut, Instituto Terra e Sesc.