
O jornalista, escritor e crítico literário Tom Farias, curador da 10.ª edição do Fliaraxá, que acontece de 11 a 15 de maio de 2022, conta, em entrevista, detalhes sobre a relevância do tema do festival “Abolição, Independência e Literatura”, sobre a patrona Maria Firmina dos Reis e suas expectativas para o evento, que terá programação híbrida.
Como tem sido a experiência de ser curador do 10° Fliaraxá? Você pode adiantar os temas de algumas das mesas e convidados dessa edição?
Eu já tinha sido curador em 2019 quando a Fliaraxá optou por ter vários curadores, mas esta experiência agora é bem diversa, rica e diferente. Estou me divertindo (risos). Por outro lado, é uma grande responsabilidade, pois precisamos entregar um trabalho à altura da exigência do público, que apenas temos uma ideia do que quer e exige. Mas sigamos em frente. Sobre os temas, a pauta é extensa e fundamental para conhecer o Brasil em que vivemos. Vamos tratar do bicentenário da Independência do país em um contexto de liberdade e de pensar a nação que queremos para os próximos 200 anos. No mesmo contexto, uma justa homenagem à primeira escritora abolicionista, Maria Firmina dos Reis, nascida há 200 anos e, nesse conjunto, o legado que deixou para toda a sociedade; a escravidão brasileira e seu papel enquanto fator de desenvolvimento de uma sociedade desigual e exploratória, evidente nos altos índices de exclusão da população negra até hoje.
A escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, que completou 200 anos de nascimento em 2022, é a Patrona desta edição do Fliaraxá. Quais livros dela e/ou sobre ela que você indica para quem quer conhecer melhor essa personagem?
Mária Firmina dos Reis vem sendo redescoberta nos últimos 10 ou 15 anos pela academia brasileira. Seu livro mais importante, e que podemos indicar, é “Úrsula”, publicado em 1859 e considerado o nosso “romance negro”, dando à Firmina a primazia como a primeira romancista do Brasil (não só enquanto mulher, mas como negra também).
Qual a importância de ter Maria Firmina dos Reis como Patrona de um festival com a temática “Abolição, Independência e Literatura”?
Como Carolina Maria de Jesus (1914-1977), Maria Firmina dos Reis assume papel de destaque na produção de literatura negra de autoria feminina. O legado de Firmina ainda está sendo revelado, mas já é possível salientar a sua grande importância para a literatura brasileira e incluí-la no cânone da segunda geração romântica brasileira, ao lado de Teixeira e Sousa (1812-1661), Manuel Antônio de Almeida (1830-1861), Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), José de Alencar (1829-1877) e Machado de Assis (1839-1908). Ou seja, Firmina é a única mulher dentre a plêiade romântica, além de ser negra e intelectual, pois militou no jornalismo e na cátedra, pois era professora. Neste aspecto, o Fliaraxá dá um salto quando provoca a sociedade de homens e mulheres a se espelhar em Maria Firmina dos Reis, e isso vai nos possibilitar enxergar as atuais Firminas, como temos descoberto as Carolinas desse imenso e injusto Brasil.
Como biógrafo da escritora mineira Carolina Maria de Jesus, quais pontos em comum você observa nas trajetórias e experiências de vida dela e de Maria Firmina dos Reis?
O ponto comum entre Firmina e Carolina é que ambas são mulheres revolucionárias, do ponto de vista de desconstruir o estado colonial, mesmo vivendo em épocas diferentes, como foi o caso dela. Tanto Firmina quanto Carolina viveram sob duas opressões diferenciadas, mas una: a maranhense no período da escravização africana para o Brasil; a mineira – pertencente a uma família considerada por ela como “soldo da escravidão” – no período da pós-abolição, que as marginaliza de forma cruel, desumana e violenta, sobretudo como mulheres negras.
Como a literatura de Itamar Vieira Junior, o Autor Homenageado desta edição do Fliaraxá, se encaixa no tema “Abolição, Independência e Literatura”?
Itamar Vieira Júnior é o autor-síntese desse processo do pós-abolição no Brasil, sob o ponto de vista moderno, visceral de como se deram (e se dão), ainda hoje, os males da escravização negra entre nós. O livro “Torto arado” traz essa síntese dolorosa, expõe uma sociedade doente e impõe uma forte posologia, com um remédio muito amargo para a solução desses problemas, como se propusesse a decretação de uma nova abolição, mas por intermédio de Isabel negona, crioula, bem pretinha, e altamente engajada dentro do mais radical movimento social negro do país.
Quais são suas expectativas para o 10.° Fliaraxá?
Minhas expectativas para a realização do 10.º Fliaraxá são as melhores possíveis. Em uma década, é a primeira vez que o festival provoca a sociedade como um todo sobre um assunto tão caro para todos os brasileiros, especialmente no momento que este mesmo país vive sobre duros traumas – seja por causa da pandemia do novo coronavírus; seja por causa da crise política e econômica; seja, ainda, por causa dos descaminhos da cultura e dos incentivos à produção de livros e da promoção à leitura, sobretudo entre a população mais jovem. Pensando por este ponto de vista, o 10.º Fliaraxá tem tudo para fazer história entre as centenas de festas, feiras e festivais literários que se espalham no país. Sem dúvida, vai ser no Fliaraxá, nessa décima edição, que leitores e leitoras, apreciadores e apoiadores do livro e da literatura irão encontrar a resposta e o caminho de esperança para o Brasil que tanto almejamos ter.