
Repercutimos aqui a matéria escrita pelo jornalista Gustavo Werneck, publicada hoje no Estado de Minas.
Agripa será o Patrono desta edição do Fliaraxá.
Afonso Borges – Presidente do Festival
Desenho de @moisesmota
Estado de Minas – 7/7/25 – Gustavo Werneck
Caixa com obras de Agripa Vasconcelos traz histórias de mulheres centenária
Lançada pelo Instituto Brasileiro de Cultura, a caixa já está disponível nas livrarias com areedição das obras que retratam as mineiras Dona Beja, Dona Joaquina
Elas viveram tão intensamente seu tempo que apenas os anos de vida não foram suficientes para compor sua história. Foi necessário que os séculos se passassem para costurar lendas à realidade, incorporar fantasias à tradição oral, unir palavras a lembranças centenárias. E, assim, os labirintos da memória ganharam mais luz. Atento às conversas que ouviu, ao cenário imaginado dos séculos 18 e 19 e aprofundado em pesquisas, o escritor mineiro Agripa Vasconcelos (1896-1969) retratou em três romances distintos as mineiras Dona Beja, em “A vida em flor de Dona Beja”, Dona Joaquina do Pompéu, em “Sinhá Braba”, e Chica da Silva, em “Chica que manda”.
O leitor pode conhecer mais sobre as personagens com a reedição das obras lançada pelo Instituto Brasileiro de Cultura. A caixa especial já se encontra disponível nas livrarias. Como novidade, há prefácios assinados por pessoas de considerável “intimidade” com as personagens.
A atriz e escritora Maitê Proença, protagonista da novela “Dona Beija”, em 1986, na extinta TV Manchete, baseada no livro de Agripa, escreve sobre Ana Jacinta de São José, a Beja (1800-1873).
Esta lendária mineira voltará às telas em 2026. Gravada em 2024 e com previsão de estreia no primeiro trimestre, a nova versão de “Dona Beja” será lançada pela HBO, com Grazi Massafera no papel principal. Com 40 capítulos, é remake da novela exibida nos anos 1980. A atração promete explorar temas como empoderamento, desejo e vingança, com narrativa modernizada em relação à obra original.
O genealogista Hugo de Castro Machado, diretor de Patrimônio Histórico e Turismo de Pompéu, associado do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e curador do Museu Genealógico e Histórico do Centro Cultural Dona Joaquina do Pompéu, apresenta a “Dama do Sertão” (1752-1824), da qual descende.
A historiadora Mary del Priore, por sua vez, direciona o leitor a Chica da Silva (batizada em 1734 e falecida em 1796), negra escravizada e alforriada que se tornou Xica com xis no filme de Cacá Diegues e também chegou às novelas na década de 1990.
Neta de Agripa e curadora da obra literária dele, Mara de Vasconcellos Mancini conta como nasceu o projeto. “Após o fechamento da Editora Itatiaia, o Instituto Brasileiro de Cultura (IBC), de São Paulo, ficou com o acervo. O presidente do IBC, Paulo Houch, é leitor do Agripa. Então, ele nos propôs fazer o relançamento de toda a coleção ‘Sagas’ com roupagem mais moderna. Sugeri incluirmos prefácios para diferenciar a nova edição das antigas.
Professora de inglês com formação em letras e mestrado em linguística aplicada na UFMG, ela é coautora da biografia do avô, “Agripa Vasconcelos – De poeta a romancista das Gerais”, em parceria com os professores Maurício Menon e Sandro Adriano Silva.
Também médico, Agripa Ulysses de Vasconcelos foi o mais jovem escritor a integrar a Academia Mineira Letras (AML). Aos 25 anos, ocupou a cadeira número 3. Nascido em 12 de abril de 1896, em Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi ainda pequeno para Sete Lagoas, onde fez o curso primário, continuando os estudos no Instituto Grambery, em Juiz de Fora. Seguindo o exemplo do pai, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Formado em 1920, o mineiro se destacou como pesquisador e escritor. Naquele ano, publicou seu primeiro livro de poemas, “Silêncio”, que lhe abriu as portas para a AML. Em 1930, publicou “De que morreu Aleijadinho”, um dos primeiros diagnósticos retrospectivos realizados no Brasil. A obra mais consagrada dele se chama “Sagas do país das Gerais”, coleção de seis romances históricos com ilustrações da artista plástica Yara Tupynambá.
Mulheres, a exemplo de Dona Beja, tiveram relevância na história de Minas. A Ana Jacinta de São José se atribui o mérito de reconquista, em 1816, do território do Triângulo Mineiro, quando a região pertencia a Goiás. O episódio, contado oralmente por várias gerações, teria ocorrido após o período em que ela viveu em Paracatu, depois de ser raptada, em 1814, pelo ouvidor Joaquim Inácio Silveira da Mota, durante passagem dele por Araxá.
Papel de destaque também teve a fazendeira Dona Joaquina do Pompéu. Em 9 de abril de 1822, ela se encontrou com Dom Pedro I em Ouro Preto. A viagem do príncipe regente é vista como o primeiro “brado retumbante” da emancipação, por ele anunciar ao povo “que os laços do despotismo não prevaleceriam sobre os anseios de liberdade e independência”. De tão patriótica, usava roupas com fitas nas cores verde e amarelo, conforme escreveu Agripa Vasconcelos.
“O papel dela foi preponderante nas batalhas que sucederam o 7 de setembro, especialmente em 1823. Dona Joaquina tomou a frente como guardiã e protetora da região, enviando dinheiro, gado e mantimentos para ajudar na luta contra o último reduto oponente à Independência”, relata Hugo de Castro Machado.
Paixão por Minas
ENTREVISTA
Seu avô, Agripa Vasconcelos, escreveu sobre três mulheres que povoam o imaginário dos mineiros. É possível saber o porquê de ele ter escolhido essas personagens?
Meu avô era um apaixonado por Minas Gerais. Então, ele escreveu não só os três romances do “box”, mas sete romances históricos em uma coleção intitulada “Sagas do país das Gerais”, onde narra sobre todos os ciclos econômicos de Minas. Toda a coleção foi ilustrada pela artista plástica mineira Yara Tupynambá. Na verdade, não foi uma escolha dele falar sobre estas mulheres, mas, sim, uma exaltação da relevância delas na história do nosso estado.
Chica da Silva era de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha; Dona Joaquina do Pompéu, de Mariana, estabelecida no Centro-Oeste; e Dona Beja, de Formiga, com longa vivência em Araxá, no Alto Paranaíba. São pedaços diferentes de Minas. Como foi o processo criativo do autor?
Devemos entender e imaginar como foi difícil para o Agripa fazer a coleta de dados de suas pesquisas em uma época em que não tínhamos os recursos tecnológicos de hoje. Ele usou a tradição oral, conversando com as pessoas mais antigas das cidades por onde passou, e também tendo acesso a documentos existentes nos arquivos públicos locais. Agripa anotava tudo em uma caderneta de bolso que sempre carregava, para depois compor o enredo de seus romances. Ele diz: “Escrevo história, e não estória”.
O que essas personagens dos séculos 18 e 19 podem ensinar às mulheres de hoje?
Foram mulheres fortes que viveram à frente de seu tempo, com coragem e determinação. Em uma época em que a mulher não tinha voz, elas foram ouvidas e respeitadas pela sociedade de então.
Como surgiu a ideia de reunir as obras e lançá-las agora?
Após o fechamento da Editora Itatiaia, o Instituto Brasileiro de Cultura (IBC), de São Paulo, ficou com o acervo. O presidente do IBC, Paulo Houch, é leitor do Agripa. Então, ele nos propôs fazer o relançamento de toda a coleção “Sagas”, com roupagem mais moderna. Sugeri incluirmos prefácios para diferenciar a nova edição das antigas. E assim está sendo feito. Como são sete volumes, resolvemos lançar por etapas, sendo que as três personagens femininas estão vindo primeiro, em um lindo box.
Quais serão os próximos lançamentos?
Ainda não há uma ordem escolhida, mas temos mais quatro romances: “Fome em Canaã”, “Chico Rei”, “Gongo Sôco” e “Ouro verde e gado negro”. Cada um com seu ciclo econômico correspondente.
Houve desafios nesse processo? Alguma adequação? Ou os textos se mantêm como escritos por Agripa?
O Agripa diz: “O livro se edita como foi lançado, sem a mínima alteração. Alterar um sentimento nobre é depravá-lo. O que foi sentido e depois alterado, é porque não foi sincero.” Devido a isso, a única alteração foi a ortográfica.
Foram convidadas pessoas para escrever prefácios que têm “intimidade” com as histórias. Pode nos falar a respeito?
Os sete prefaciadores foram escolhidos a dedo, pessoas que têm alguma ligação com a história de cada volume. Para “A vida em flor de D. Beja” convidamos Maitê Proença, por ser escritora e dramaturga e, principalmente, por ter sido a atriz que interpretou a D. Beija na novela da Rede Manchete, em 1986. Para o “Sinhá Braba”, temos o diretor do Centro Cultural Dona Joaquina do Pompéu e diretor de Cultura e Patrimônio Histórico e Turismo de Pompéu, Hugo de Castro Machado, que tem conhecimento profundo sobre a história da matriarca do Centro-Oeste mineiro. E para o “Chica que manda”, a escritora Mary Del Priore, muito conhecida no mundo literário, ganhadora de quatro prêmios Jabuti, que, como historiadora, é grande admiradora da obra literária de Agripa Vasconcelos. Quanto aos prefaciadores dos livros que ainda não foram lançados pelo IBC, vamos deixar que nossos leitores fiquem curiosos até o próximo lançamento.
Por que ler essas histórias hoje?
O gênero literário preferido de cada leitor é uma questão muito pessoal. Mas para quem gosta de romance histórico, os livros do Agripa são verdadeiras aulas de história e um virar de páginas sem igual. Boa leitura!