
Por Fernanda Martins
Cristiane Sobral, Taiane Santi Martins e João Carrascoza revelaram como memórias, afetos e ancestralidades moldam sua escrita
As “Heranças literárias” deram o tom da mesa desta noite (2/10), mediada por Matheus Leitão, durante o 13.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá. O encontro reuniu João Carrascoza, Cristiane Sobral e Taiane Santi Martins em uma conversa repleta de afeto sobre como experiências pessoais e ancestrais atravessam a criação literária.
Matheus abriu a mesa convidando Cristiane Sobral a falar a partir do título do seu livro, “Os pratos que eu não vou mais lavar”. Para a autora, suas heranças vêm dos escritores que a acompanham e a inspiram. Tanto que, cotidianamente, ela se pergunta o que Conceição Evaristo, Solano Trindade ou Carolina Maria de Jesus, por exemplo, fariam se estivessem passando por determinada situação. Para a autora, a força ancestral está, ao mesmo tempo, no passado e no futuro. “Não vou mais lavar os pratos é um gesto de insubmissão. Uma herança de submissão que meus antepassados decidiram romper”, disse fazendo uma alusão ao livro e as memórias da infância: “As minhas heranças passam pela farmácia da minha mãe, pelas bulas de remédio e pelo meu pai batendo às portas dos vizinhos em busca de livros para aquela menina que queria ler.”
Na sequência, Taiane Santi Martins destacou a maternidade como um processo de atravessamento, que consome e renova suas energias vitais. Falou ainda sobre seu romance ambientado entre Brasil e Moçambique, em que aborda as marcas da escravidão. “Por certo a economia brasileira só existiu devido às pessoas escravizadas. Devemos a herança africana todo nosso dia a dia. Ainda assim, quando voltei de Moçambique, a pergunta que mais escutei foi se lá se fala português”, relatou. Segundo ela, escrever é uma forma de compreender por que algumas vidas são mais lembradas do que outras ou porque algumas vidas valem mais do que outras. “Eu sou mãe de uma criança de nove meses que está distribuindo sorrisos para todo mundo, e eu preciso acreditar no poder da literatura”, emocionada, ela disse como vidas humanas a atravessam e são base para a escrita contestadora e toda a crença na escrita: “A literatura, apesar de não conseguir acabar com a fome, tem o poder de preservar memórias.”
Nessa preservação de memórias, João Carrascoza trouxe à mesa a trajetória da mãe, que nunca passou um dia sem um livro nas mãos, e do pai, homem da oralidade, que encantava ao inventar histórias. Também recordou de uma tia materna, primeira leitora de seus textos, que deixou para ele a biblioteca da família. “Encontrei ali, entre livros e recortes, uma herança de amor”, contou sobre o seu processo de escrita que é sobre retornar a essas encruzilhadas afetivas.
Cristiane Sobral retomou a palavra para falar da dramaturgia como ferramenta fundamental em sua vida, maternar e herança. Mãe de dois filhos atípicos, ela encontrou no teatro uma forma de comunicação com o filho não verbal. “O texto teatral organiza o espaço. Ou a palavra funciona ou não funciona. Ali percebi como a palavra é capaz de dar sentido”, explicou.
Taiane reforçou a crença no poder de contar histórias e no compromisso ético com a palavra. “Não consigo me desassociar daquilo que escrevo. O meu último romance narra a história de três personagens que são muito diferentes de mim, mas carrego a responsabilidade de narrar suas histórias”, afirmou.
Carrascoza, em diálogo com o público e com os colegas, refletiu sobre sua própria trajetória como publicitário que se descobriu escritor. “Você vai se encontrando com o outro que você é a partir da literatura sobre si. O conto, para mim, é como uma câmera que se aproxima devagar”, disse o autor que, hoje, já soma mais de 300 contos escritos. A mesa terminou em tom pessoal, quando Matheus relembrou sua vinda a Araxá no último Fliaraxá e as 10 horas em que dirigiu até a cidade. “Não foi fácil. Eu estava passando por um momento difícil, mas havia um motivo maior. Eu estava apaixonado pela Bianca Santana. Agora todos vocês sabem”, finalizou.
Sobre o 13.º Fliaraxá
O 13.º Fliaraxá ocorre de 1.º a 5 de outubro, no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá. O evento acontece em mesas de conversa com escritores, lançamentos de livros, prêmio de redação, atividades para as crianças, apresentações musicais, entre outras. Todas as atividades do Festival são gratuitas.
Há 13 anos, a CBMM apresenta o Festival Literário Internacional de Araxá Fliaraxá, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, com a parceria da Bem Brasil e o apoio cultural do Centro Cultural Uniaraxá, da TV Integração e da Academia Araxaense de Letras.
Serviço:
13.º Festival Literário Internacional de Araxá Fliaraxá
De 1.º a 5 de outubro, quarta-feira a domingo
Local: programação presencial no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá (Av. Ministro Olavo Drummond, 15 – São Geraldo), e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook @fliaraxa
Entrada gratuita