Encontro que encerrou a programação de mesas deste primeiro dia reuniu Itamar Vieira Junior, Bianca Santana, Sérgio Abranches e Jeferson Tenório

por Gabriel Pinheiro

A noite do primeiro dia de 13.º Fliaraxá – Festival Literário Internacional de Araxá recebeu a mesa “Literatura em travessia”, que contou com a participação do homenageado desta edição do festival, Itamar Vieira Junior, e dos curadores Bianca Santana, Sérgio Abranches e Jeferson Tenório, que foi o mediador do encontro.

Jeferson Tenório abriu a conversa pensando na ideia de túnel e de travessia, relembrando a saudosa escritora Elvira Vigna: “Ela dizia que, quando terminava um livro, tinha a sensação de ter feito uma travessia. E essa travessia estava contida numa imagem: é como se ela tivesse entrado num túnel e, quando terminava o livro, ela saía desse túnel, mas levava o túnel com ela. É uma imagem muito forte”. Depois, o mediador rememorou seu trabalho como professor, ao apresentar “A Caverna”, de Platão, para seus jovens alunos. “De certo modo, o escritor faz essa travessia de vasculhar essa caverna, que tem a ver com a nossa infância, a nossa juventude”, ele refletiu. “Queria entender como vocês percebem essa ideia de travessia e do túnel na escrita de vocês?”, perguntou ao final de sua abertura.

Na sequência, Sérgio Abranches comentou: “Eu me dei conta de que toda a minha literatura, ensaística ou de ficção, é de travessia. É sobre travessia”. Ele destacou o impacto da obra de Guimarães Rosa — sobretudo “Corpo de baile” e “Grande sertão: veredas” — em sua formação. Rosa é um autor marcado pela noção de travessia. “A travessia é onde se encontra a verdade, é onde se constrói a vida. A travessia nos leva a uma encruzilhada onde nós temos que escolher os caminhos. As escolhas que a gente fez, que deram certo ou errado. E também as escolhas que a gente não fez”, refletiu Abranches. “A travessia é a espinha dorsal do meu pensamento”, acrescentou. Jeferson, então, perguntou se a travessia, para Sérgio, teria que ter um começo e um fim, no que ele destacou poeticamente: “Para mim, a travessia é o caminho”.

Bianca Santana falou sobre seu fluxo de escrita. “Eu entro num túnel. Eu tenho um prazer tão grande nesse túnel que me dá vontade de morar nele. Mas sinto que sou convocada a sair do túnel. Esse túnel, pra mim, faz muito sentido com a imagem da caverna. (…) Talvez tudo o que a gente escreva seja um diálogo com as imagens de onde a gente parte”. Jeferson, então, perguntou para a autora: ‘Tem alguma coisa que você escreveu que te modificou?”. Bianca relembrou o primeiro texto onde escreveu sobre a morte de seu pai. “Eu entendi que na palavra escrita existia essa possibilidade de elaboração da dor”.

Já Itamar Vieira Junior comentou não conseguir pensar na ideia de túnel ou caverna: “Eu sou claustrofóbico”, arrancando risos da plateia. “Mas a travessia não deixa de estar no meu horizonte. Eu penso que escrever é uma longa viagem. Eu sempre falo que a minha viagem é pra essa dimensão imaginativa e onírica da vida”. Ele destacou sua formação enquanto geógrafo e seu trabalho como antropólogo. “A viagem sempre fez parte do meu cotidiano”. “Encarar esse ato da leitura e da escrita como travessia expande a nossa capacidade de olhar pro mundo”, concluiu Itamar.

Jeferson pediu para que os convidados falassem sobre seus novos trabalhos e a experiência de recepção com os leitores. “O maior mistério da literatura é como as pessoas leem o seu livro”, destacou Sérgio Abranches. Na sequência, comentou sobre seu novo romance, “A franja do fim do mundo”: “Uma ficção sobre o depois do desastre climático”, resumiu.

“Talvez eu escreva pra quem não é leitor ou leitora. Pra quem não gosta ou não tem fluência com o texto escrito”, abriu Bianca Santana em sua resposta. “Como leitora, eu amo a possibilidade de que o livro que eu estou lendo é meu. Eu prefiro ficar com a minha intenção, a minha interpretação sobre o que estou lendo”, comentou, sobre como cada livro se transforma a partir da leitura de cada leitor. Bianca, então, falou sobre seu novo livro, o romance “Apolinaria”, inspirado na vida de sua avó, que dá nome à obra.

Em seguida, Itamar Vieira Junior destacou a experiência de encontrar leitores, de apresentar um novo livro para o mundo. “Coração sem medo” é seu novo romance, que concluiu a chamada “Trilogia da Terra”, ao lado de “Torto arado” e “Salvar o fogo”. “Quando eu comecei ‘Torto arado’, eu não sabia que essa história iria continuar. Mas, ao terminá-lo, eu entendi que daria prosseguimento”.

“Antes de escrever, somos leitores. Se não fôssemos leitores, não escreveríamos”, prosseguiu Itamar. “Quando os leitores abrem um livro para ler uma história, eles vão emprestar o seu corpo para que essa história — que nós escrevemos — viva mais uma vez. Escrever é isso: emprestar essa história para que ela viva outra vez”, concluiu o autor homenageado deste 13.º Fliaraxá.

Jeferson perguntou para Abranches sobre duas grandes feridas que o Brasil não resolveu: a escravidão e a ditadura, e sobre como essas duas feridas têm cruzamentos. “Por que a democracia está sempre em risco?”, perguntou. Sérgio, então, respondeu tendo como base seu romance “O intérprete de borboletas”, obra que fala de radicalismos, intolerância e da aparente impossibilidade de conciliar opiniões em um tempo de emoções e afetos politizados.

Ao fim da conversa, Tenório refletiu sobre a ideia de travessia no contexto da diáspora negra, dos corpos diaspóricos. “Nós crescemos com essa marca, uma dor antiga, que vem de muito tempo”, declarou Itamar Vieira Junior. “Essa experiência da colonização, de explorar e destruir os corpos dos indígenas e das pessoas negras, e também da paisagem. Eu tento dar corpo, tento dar sentido a tudo isso. Não dá pra entender o presente sem olhar para o passado. Não dá pra projetar um futuro. Essa é a chave das histórias”.

Sobre o 13.º Fliaraxá

O 13.º Fliaraxá ocorre de 1.º a 5 de outubro, no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá. O evento acontece em mesas de conversa com escritores, lançamentos de livros, prêmio de redação, atividades para as crianças, apresentações musicais, entre outras. Todas as atividades do Festival são gratuitas.

Há 13 anos, a CBMM apresenta o Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá –, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, com a parceria da Bem Brasil e o apoio cultural do Centro Cultural Uniaraxá, da TV Integração e da Academia Araxaense de Letras.

Serviço:

13.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá

De 1.º a 5 de outubro, quarta-feira a domingo

Local: programação presencial no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá (Av. Ministro Olavo Drummond, 15 – São Geraldo), e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @‌fliaraxa

Entrada gratuita