
Por Fernanda Martins
Na mesa “Palavra íntima”, autores exploram as fronteiras entre memória, emoção e criação, revelando o quanto a literatura nasce das experiências mais pessoais
“Palavra íntima” foi o fio condutor da mesa realizada na tarde de hoje (4/10), durante o 13.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá. Sob mediação de Natalia Timerman, o encontro reuniu Myriam Scotti, Jeferson Tenório e João Carrascoza para uma conversa sobre os territórios íntimos da escrita.
Sobre esse lugar de intimidade, Myriam Scotti acredita em um processo literário como gesto de entrega. “No meu processo de escrita, empresto um tanto da minha intimidade para que ela seja partilhada com as personagens”, contou. O mesmo olhar atravessou a fala de Jeferson Tenório, que acredita que “a literatura sempre nasce de processos íntimos”. Ele explicou que a sua escrita surgiu dos diários da juventude. “A escrita literária começa na vida doméstica, nas anotações pessoais. O salto coletivo vem com o trabalho da linguagem. É quando o cotidiano e a experiência se entrelaçam que nasce a literatura.”
João Carrascoza afirmou que a narrativa é a construção racional de uma emoção. “Quando a vivência é tão profunda que se torna experiência, ela se transforma em literatura.” O autor citou o conto “Banhos”, em que uma mulher dá banho em corpos de pessoas mortas e, ao fim, as memórias trazidas para os detalhes da narrativa se revelam, como afetos recordados sob o corpo do próprio filho. “Essa história nasce da perda do meu pai. Escrever é um modo de transformar a dor em outra forma de permanência.”
Em meio à conversa, Natalia provocou o grupo com uma pergunta: “O que cada um de vocês conta para si mesmo?” O silêncio povoou a mesa por alguns segundos, até que Tenório retomou a palavra citando um trecho de seu livro “De onde eles vêm”, em que a personagem se pergunta se é preciso sofrer para escrever. “Não há garantia de que o sofrimento gera boa literatura. O que faz a boa literatura é a observação de si e do mundo. É preciso estar presente para perceber o que vale ser escrito. O escritor é um pouco narcisista (porque gosta do que escreve) e um pouco deprimido (porque acha que nunca está bom).”
João recordou a infância e o encantamento inicial com os livros. “Lembro quando aprendi a ler: a professora me deu um livro e eu saí correndo, abraçado a ele. Descobri que não queria apenas ler, queria partilhar histórias.” Para ele, escrever é transformar a experiência do outro em algo que também possa ser vivido.
Myriam, em consonância com o colega, destacou a importância do diário como exercício de autoconhecimento. “Sempre fui muito reservada, e os diários me ajudaram a reviver emoções. Quando entendi que queria fazer literatura, percebi que precisava sair de mim. Foi ao olhar para a experiência do outro que compreendi o que buscava.” Autora do premiado “Terra úmida”, ela contou que a paisagem amazônica se tornou personagem constante em suas obras. “Não consigo me afastar dos espaços que me cercam. Ainda me espanto com a beleza de Manaus e da Amazônia. Esse espanto é o que me faz começar a escrever.”
Na relação com o espaço, Tenório complementou: “Existem dois tipos de escritores: os que recriam e os que inventam lugares. Sou do tipo que recria. No caso da diáspora negra no Brasil, somos obrigados a recriar espaços. O deslocamento passa a ser rotina. A criminalização do deslocamento é real… há lugares em que não temos o direito de estar”.
Entre lembranças, introspecção e pertencimento, a mesa “Palavra íntima” revelou que escrever é um ato de coragem. Para finalizar a mesa, Tenório trouxe um trecho da redação escrita por Carlos, o ganhador do Prêmio de Redação do Fliparaxá, realizado hoje pela manhã (4/10). “Eu sou literatura. Quem escreve sabe quem eu sou.”
Sobre o 13.º Fliaraxá
O 13.º Fliaraxá ocorre de 1.º a 5 de outubro, no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá. O evento acontece em mesas de conversa com escritores, lançamentos de livros, prêmio de redação, atividades para as crianças, apresentações musicais, entre outras. Todas as atividades do Festival são gratuitas.
Há 13 anos, a CBMM apresenta o Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá –, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, com a parceria da Bem Brasil e o apoio cultural do Centro Cultural Uniaraxá, da TV Integração e da Academia Araxaense de Letras.
Serviço:
13.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá
De 1.º a 5 de outubro, quarta-feira a domingo
Local: Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá (Av. Ministro Olavo Drummond, 15 – São Geraldo)
Programação digital: YouTube, Instagram e Facebook – @fliaraxa
Entrada gratuita