
Por Gabriel Pinheiro
Jamil Chade conversou com Morgana Kretzmann, Ricardo Prado e Silvana Gontijo e as aproximações de suas obras com as águas
“Os rios são protagonistas das nossas vidas, da literatura e da arte. Na verdade, os rios são protagonistas da própria civilização”, declarou o mediador Jamil Chade na abertura da mesa, que convidou autores que decidiram colocar os rios nos centros de suas histórias. A mesa “O que as águas guardam” reuniu Silvana Gontijo, Ricardo Prado e Morgana Kretzmann na manhã deste sábado de 13.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá.
O mediador começou a conversa por Morgana Kretzmann, perguntando-a sobre a fronteira do Rio Uruguai, ambiente onde se desenvolve a ação de seu romance mais recente. “Foram dois anos e meio de pesquisa para escrever ‘Água turva’. Muita coisa que eu trouxe pro livro foram histórias que a minha família viveu”, iniciou Morgana. “O rio do livro é uma encruzilhada para as personagens. Você precisa escolher o caminho que você segue. (…) Seguir pelo crime ou seguir pela preservação daquela natureza.”
“Nós não temos, como civilização, mais a opção de não cuidar do planeta, de não cuidar dos rios”, prosseguiu Jamil Chade. Se direcionando para Silvana Gontijo, ele perguntou: “Gostaria que você falasse sobre o projeto ‘Esse rio é meu’”. Silvana, então, relembrou sua infância em Belo Horizonte, vivendo próxima ao córrego da Serra e a maneira como aquele rio desapareceu de sua vida, devido à poluição. “O que a gente está fazendo? A gente vai precisar dessa água”, defendeu a escritora que, hoje, mora próxima da nascente do Rio Carioca, águas que fundam do Rio de Janeiro.
Silvana deu início, então, ao projeto “Esse rio é meu”, que promove a transformação cultural e ambiental em escolas. “Não é missão das escolas despoluir rios, a missão é transformar as crianças protagonistas em um processo de transformação.” A experiência de Silvana com jovens estudantes a inspirou na criação de sua série “A Turma do Planeta”.
Jamil perguntou para o escritor e compositor Ricardo Prado sobre o som do rio: “O que essas águas escondem?”. “Toda a humanidade começa pela percepção do silêncio”, comentou Prado. “No princípio não era o verbo. Para haver o verbo é preciso o ritmo. No princípio era o ritmo. (…) Mas, na verdade, não existe ritmo sem o silêncio. Logo, no princípio era o silêncio”, refletiu o convidado.
“Seu trabalho em ir até uma fronteira, uma fronteira esquecida de um Brasil profundo, tem o papel de trazer à tona o que está escondido ali”, Jamil Chade comentou sobre a obra de Morgana Kretzmann. “O que é o Rio Uruguai na fronteira entre o Brasil e a Argentina?”, perguntou. “Passei a minha infância indo ao Rio Uruguai, a minha praia era o Rio Uruguai”, comentou a escritora. “Ele tem uma lembrança muito afetiva pra mim, onde eu fui muito feliz. (…) Só que, ao mesmo tempo, tem trechos do Rio Uruguai que são muito perigosos. (…) Temos um respeito de quem tem medo, pois sabemos que o Rio pode matar”, rememorou Kretzmann.
“Pra mim, na minha infância, essa fronteira entre Brasil e Uruguai não existia, essa fronteira marcada pelo Rio Uruguai. Era uma fronteira inventada por outras pessoas e a gente não seguia essas regras”, complementou. Morgana comentou sobre um conto, “Nome floresta”, que escreveu em homenagem à Dom Phillips, jornalista brutalmente assassinado, junto de Bruno Pereira, na Amazônia. “Fronteira foi uma coisa inventada, fronteiras não existem.”
Silvana Gontijo compartilhou com o público a ideia de que nos Rios convergem diferentes disciplinas. Matemática, ciências, língua portuguesa, geografia, história. Segundo a autora, tudo está lá e o interesse do seu projeto é trabalhar com alunos e professores esse entendimento. “A profusão de ideias que o rio inspira. O rio passa a ter significado para as crianças, por exemplo, a partir de um conto de Machado de Assis. Essa ideia de que rio seja uma fonte de inspiração e ser uma ‘transfronteira’ é uma coisa que está gerando impacto”, apresentou a autora. “A gente tá falando do rio como protagonista no processo de transformação de realidades.”
“A música é a arte da memória, é a arte de guardar e expressar o tempo. A gente acha que a música é a arte do silêncio, do som, do timbre… Mas não é . A música é a arte da memória. E nós somos feitos de memória”, refletiu Ricardo Prado, a partir da sua experiência como músico e compositor. Noutro momento, Prado falou para o público sobre seu romance “Os primeiros”, projeto que resgata a saga de artistas que inventaram o Brasil. “Isso está naufragado sob as águas brasileiras. Fazer emergir esse continente do que somos, do que fizemos, vai mudar a nossa história. (…) Nós nos transformaremos quando começarmos a olhar também para os triunfos do nosso Brasil.”
“Leiam literatura feita fora dos grandes centros. Leiam as histórias dessas pessoas. O Brasil profundo não é onde tudo termina, é onde tudo começa”, declarou Morgana ao fim de sua participação. “Foi um rio que passou em minha e meu coração se deixou levar”, Jamil Chade encerrou o papo, citando Paulinho da Viola.
Sobre o 13.º Fliaraxá
O 13.º Fliaraxá ocorre de 1.º a 5 de outubro, no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá. O evento acontece em mesas de conversa com escritores, lançamentos de livros, prêmio de redação, atividades para as crianças, apresentações musicais, entre outras. Todas as atividades do Festival são gratuitas.
Há 13 anos, a CBMM apresenta o Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá –, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, com a parceria da Bem Brasil e o apoio cultural do Centro Cultural Uniaraxá, da TV Integração e da Academia Araxaense de Letras.
Serviço:
13.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá
De 1.º a 5 de outubro, quarta-feira a domingo
Local: programação presencial no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá (Av. Ministro Olavo Drummond, 15 – São Geraldo), e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @fliaraxa
Entrada gratuita