
Autores compartilharam vivências sobre saúde mental, literatura e o poder do afeto na juventude
Por Fernanda Martins
O 13.º Fliaraxá trouxe, em uma das mesas mais aguardadas, uma conversa pensada especialmente para jovens e adolescentes. O curador do evento e escritor Leo Cunha apresentou a temática que já acolhe no primeiro contato: “A geração do quarto e a saída pelo afeto”. Participaram do encontro os autores Hugo Monteiro Ferreira e Igor Pires, que dialogaram diretamente com uma plateia atenta e majoritariamente jovem, reunida no Teatro CBMM.
A conversa começou com Hugo Monteiro, autor do livro “A geração do quarto – Quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar”. O escritor compartilhou lembranças de sua infância, em Recife, quando as portas dos quartos ficavam abertas até os 15 anos de idade. Com a adolescência, esse padrão mudou e a experiência permaneceu no imaginário, até se tornar tema de suas pesquisas.
Ao ouvir pais pedindo conselhos sobre como “tirar os filhos do quarto”, Hugo decidiu investigar o fenômeno. Recebeu mais de 3 mil respostas de jovens que compartilharam experiências marcadas por sentimentos intensos: “Pensei em me matar”, “Eu só quero sair do quarto para me cortar”, “Odeio aquela escola e só penso em bombardear ela”.
Apesar do sofrimento relatado, Hugo enxergou potência. Foi aí que ele selecionou aproximadamente 200 respostas e foi em busca de entender mais daqueles jovens dos quartos e da solidão vivida por eles: “Entendi que, mesmo adoecido, aquele grupo tinha muito a nos ensinar. Quando publiquei o livro, fiquei esperançoso, porque acredito que vocês [jovens] têm muito a nos ensinar”, disse, arrancando aplausos da plateia.
Na sequência, Igor Pires trouxe sua experiência pessoal. Nascido em 1995, o autor lembrou da infância humilde em Guarulhos e do distanciamento inicial do universo artístico. “No Ensino Fundamental, algo forte me pegou e comecei a me apaixonar pela poesia. No Ensino Médio, passei a escrever sobre os meus sentimentos. Escrever é uma ótima maneira de nomear o que estamos sentindo”, contou.
Ele contou ainda que a escrita surgiu como companhia em meio à solidão: “Fui um adolescente muito solitário e, inconscientemente, comecei a escrever para me sentir menos sozinho. Acredito que nutrir conexões pessoais durante a adolescência é um passo fundamental para uma vida equilibrada”.
Para Igor, os adolescentes não apenas enfrentam dilemas de gênero, sexualidade e escolhas profissionais, como também podem oferecer soluções para muitos problemas contemporâneos.
Em diálogo com Igor, Hugo destacou a pluralidade das experiências juvenis: “O termo adolescência surgiu no século 19 como uma construção social. Mas existem adolescentes no Brasil, em Belo Horizonte, em Araxá, na zona rural, na Ásia, na África (…) e não podemos colocá-los todos na mesma caixa. Mesmo os que preferem o silêncio ou o quarto estão atravessados por sentimentos que precisam de escuta”.
Ambos ressaltaram a importância de ambientes seguros para diálogo dentro de casa, lembrando que bullying, violência e falta de acolhimento deixam marcas profundas.
Ao citar “Tudo sobre o amor”, de Bell Hooks, Igor reforçou que o primeiro espaço de afeto deve ser a casa. Ele relatou experiências de bullying e homofobia, chamando atenção para a necessidade de diálogo e empatia: “Se você está sofrendo, converse com a família, professores e amigos. O trauma da adolescência não é fácil de curar, mas a literatura e a poesia ajudam a enxergar o outro com mais afeto. Esse é o papel essencial da arte”.
Quando questionados sobre como superaram seus traumas, os dois autores reconheceram a complexidade do tema. Hugo compartilhou que tentou o suicídio duas vezes na juventude e destacou a importância da ajuda profissional: “Trauma não se enfrenta sozinho. Foi pedindo ajuda que consegui chegar até aqui”.
Igor complementou: “Não sei se a gente vence um trauma, mas aprendemos a conviver com ele. Precisei ‘matar versões de mim’ que não faziam mais sentido. Hoje, com 30 anos e seis livros publicados, sei que mereço ser amado e reconheço a importância da minha trajetória”.
Sobre o 13.º Fliaraxá
O 13.º Fliaraxá acontece de 1.º a 5 de outubro, no Teatro CBMM do Centro Cultural Uniaraxá. O evento reúne mesas de conversa com escritores, lançamentos de livros, prêmio de redação, atividades para crianças, apresentações musicais e muito mais. Todas as atividades são gratuitas.
Realizado há 13 anos pela CBMM, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, o festival conta com a parceria da Bem Brasil e apoio do Centro Cultural Uniaraxá, da TV Integração e da Academia Araxaense de Letras.
Serviço:
13.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá
Data: 1.º a 5 de outubro (quarta a domingo)
Local: Teatro CBMM – Centro Cultural Uniaraxá (Av. Ministro Olavo Drummond, 15 – São Geraldo)
Programação digital: YouTube, Instagram e Facebook @fliaraxa
Entrada gratuita