Texto: Marina Vidal – estagiária sob supervisão
O Pós Fliaraxá está promovendo discussões importantes inerentes à cultura, conectando os diversos temas à literatura. No dia 23 de março de 2021, o tema em debate foi “De Drummond a Guimarães Rosa, a literatura e o funk” com o convidado Kdu dos Anjos, MC da cultura Hip Hop e do Funk e criador do Centro Cultural Lá da Favelinha. A conversa foi mediada pelo professor Rafael Nolli, sendo transmitida pelo Youtube do Fliaraxá. A edição complementar ao nono Fliaraxá (Festival Literário de Araxá) está acontecendo de forma virtual, devido à pandemia do Covid-19.
Segundo Kdu dos Anjos, o Centro Cultural Lá da Favelinha tem muita inspiração na frente humanitária de Carolina Maria de Jesus – autora patrona do Fliaraxá 2021 – e em sua narrativa, principalmente no que se refere a fome. “O jeito com que Carolina narra a fome foi muito bem quisto na academia. A favela tem fome de tudo. Fome de educação, fome de saúde, fome de transporte, fome de cultura, fome de alimentação, fome de alimento crítico, político e ideológico. E o Lá Da Favelinha vem, principalmente, para suprir essas fomes, para ser um recipiente para a geração de renda com a arte, com a moda, com a cultura, com o que temos aqui”.
Ele lembrou que existiam muitas críticas à escrita de Carolina Maria de Jesus, por conter erros de português. “Ela errou o português, mas de que português nós estamos falando? Estamos falando do português de Portugal, que colonizou nossa língua e muda a toda hora? Ela escrevia porque precisava escrever, se não, ela iria enlouquecer”, acredita Kdu dos Anjos. Para ele, tudo o que não é “academia” está ensinando e aprendendo o tempo todo. “É tudo uma troca, não tem melhor nem pior. O funk sempre ensinou muito e o Brasil sempre esteve pautado nele. Ele é muito bem resolvido como uma questão empreendedora, porque o funk faz. E uma das leis do empreendedorismo é fazer sem esperar a perfeição, porque o perfeito não existe”.
Além de seguir os ensinamentos de Carolina Maria de Jesus, Kdu se inspira muito em Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. Ele está produzindo, pelo projeto Lá Da Favelinha, uma trilha de funk baseada nos dois poetas. “Os funks que a gente tem de Drummond e Guimarães são músicas que não vão bombar”. Isso porque, para ele, o funk que ganha destaque em nossa sociedade envolve promiscuidades, que é, na verdade, um reflexo do que o país quer. “O funk também pode ser profundo, pode ser misturado com bossa nova, mas não está bombando. Você pode não gostar, mas desmerecer uma cultura é bem parecido com o colonizador”.
Kdu dos Anjos relatou que a rima, que é o princípio dos MCs das periferias, está muito presente nas obras de Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. “O Drummond para mim foi até mais fácil porque muitas vezes ele rima e quando está falando de amor é muito parecido com o próprio funk”. Uma inspiração para uma das músicas de funk foi um trecho de um poema de Drummond: “Eu te amo é porque eu te amo”. A partir desse trecho, o Centro Cultural Lá Da Favelinha fez parceria com a MC Carol, de Niterói (RJ), para produzir o funk. “No funk é muito comum você samplear, você pega uma frase que uma pessoa falou e utiliza. Às vezes, até uma esbarrada em uma panela vira uma batida”.
Em relação ao trabalho com a obra de Guimarães Rosa, Kdu confessou que foi um desafio. “O Grande Sertão Veredas para mim é uma Bíblia e tem muita história. Eu peguei algumas questões delicadas. Por exemplo, coloquei um dos nossos meninos, que é preto, gay e faz dança na UFMG e o apelido dele é no feminino, Negona, só que ele não é uma mulher transexual. E, no meio dessa estética toda, Negona cantou com voz de Diadorim. Então, é a periferia gritando. É pegar a estética do sertão e trazer aqui para dentro”. O MC mostrou a importância dessas músicas para que as comunidades periféricas tenham contato com a obra desses autores. “A galera, pelo menos agora, conhece demais Drummond, conhece demais Guimarães Rosa. Temos a missão de fazer o funk acontecer, gerar renda, oportunidade e vida. A gente quer trabalhar com a celebração da vida”.
Acompanhe a conversa na íntegra pelas redes sociais do projeto, no Instagram e Facebook e no canal do Fliaraxá no Youtube, com acesso pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=OjbhlqQ_fKM
LIVROS INDICADOS POR KDU DOS ANJOS:
Quarto do Despejo – Carolina Maria De Jesus
Grande Sertão Veredas – Guimarães Rosa
Lá Da Favelinha: 5 anos (Ed. Crivo) – Kdu dos Anjos e colaboradores
FRASES:
“A periferia é múltipla”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“Tem que fazer acontecer”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“A favela tem fome de tudo. Fome de educação, fome de saúde, fome de transporte, fome de cultura, fome de alimentação, fome de alimento crítico, político e ideológico”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“Uma das leis do empreendedorismo é você fazer sem esperar a perfeição”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“O feito existe, o perfeito não existe”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“Carolina Maria de Jesus tem muito o que ensinar”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“Carolina escrevia porque ela precisava escrever, se não, ela iria enlouquecer”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“A periferia é o primeiro a sofrer com todo esse negacionismo, com todo esse desgoverno desde sempre”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“O Brasil sempre esteve pautado no funk”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“Quem faz o desmerecimento de qualquer cultura que seja, é um colonizador”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“Muitas das vezes que Drummond está falando de amor é muito parecido com o próprio funk”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021
“O Grande Sertão Veredas para mim é uma bíblia”. – Kdu dos Anjos, Pós Fliaraxá, 23/03/2021