
Por Márcia Maria Cruz
Conceição Evaristo e Paloma Jorge Amado declararam amor ao Brasil, em conversa mediada pelo jornalista Guilherme Amado, neste sábado (22/6), o quarto dia do Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá –, na Fundação Calmon Barreto. Guilherme começou brincando com Conceição, perguntando se ela tinha uma fofoca para contar. “O bom da fofoca não é contar em público. O bom é contar de gota em gota. Você fala que não é para contar não, já sabendo que a pessoa vai contar. Quem quiser pode me procurar, que eu conto”, disse Conceição, convidada especial desta 12ª edição do Festival.
As escritoras contaram qual foi a primeira história que criaram, ainda quando crianças, muito antes de se tornarem escritoras. Aos 8 anos, Paloma escreveu seus primeiros dois “romances”. Tinha três páginas e ilustrações, intitulado “O soldado que amava aquela que não o quis”. Depois escreveu “A pombinha branca que voou de Paris”, que era autobiográfico. Também se lembrou das primeiras histórias que o pai, Jorge Amado, lhe contava: histórias de Pedro Malasartes.
Conceição lembrou que contar histórias era algo muito comum na sua casa. “Qualquer acontecimento do cotidiano virava história”, recorda-se. A menina nascida na favela do Pindura Saia, em Belo Horizonte, experimentou as primeiras fabulações nas redações escolares. “A fazenda do meu tio era um verdadeiro latifúndio. Esse foi meu primeiro exercício de ficcionalização”, revelou Conceição.
A escritora mineira estudou em uma escola de classe média em Belo Horizonte, mas que dava bolsas para estudantes vindos da favela onde ela nasceu. “Meu primeiro prêmio de literatura foi um missal – um livro para acompanhar a missa – com o título “Porque eu me orgulho de ser brasileiro”. Não teve ninguém mais patriota do que eu.” A redação garantiu a ela o primeiro prêmio literário.
Guilherme, então, perguntou se ela ainda mantinha o orgulho de ser brasileira. Conceição falou que ainda mantém o orgulho de ser brasileira e que os negros construíram e constróem o Brasil. “Se alguém estraga esse Brasil não somos nós.” Paloma também afirmou que tem muito orgulho de ser brasileira. Paloma nasceu no exílio quando os pais estavam em Praga, mas optou pela nacionalidade brasileira. “Uma coisa que deveria ser combatida é a xenofobia”, disse Paloma.
Em 2022, Guilherme teve um sentimento de despertencimento do País. “Até voltei para terapia. Eu caibo nesse País? Não sei se quero viver nesse País.” Conceição disse que teve a mesma sensação. Ela lembrou que se o País não der certo, a alternativa de mudar de país não existe para as pessoas negras. Paloma, então, defendeu o papel dos escritores na promoção de reflexões. “Ficando no Brasil, a gente vai aos lugares, fala para o público, leva livros e faz pensar.”
Na sequência da conversa, Conceição foi questionada sobre a oralidade em sua obra. Trazer para os escritos a oralidade é parte de seu projeto estético, como se pode ver na frase do livro “Olhos d’água”: “a gente combinamos de não morrer”. Ela atribuiu a frase à personagem, mas ainda assim há quem queira fazer a correção gramatical. “Essa frase corre, e ela é corrigida.” Conceição defende trabalhar o texto a partir de uma gramática do cotidiano. “Texto escrito a partir da oralidade, trabalhar a gramática do cotidiano – não é a gramática que os gramatiqueiros impõem. Posso fazer texto com gramática do cotidiano, que pode ser profundamente poético.”
A escritora Carolina Maria de Jesus é referência dessa gramática do cotidiano. Conceição ainda fez um questionamento: a forma como se avalia distintamente as experimentações de linguagens, neologismos, elaborados por Carolina e por Guimarães Rosa. “Por que Carolina não poderia criar neologismos, fazer as experimentações, por que ela não pode? Por que quando ela experimenta a linguagem é erro?”
Para encerrar, Paloma e Conceição revelaram quais são os planos literários futuros. Paloma falou do desejo de escrever um grande livro sobre a comida ritual das religiões africanas – um combinado feito com seu pai. Conceição revelou que trabalha em um livro de poemas eróticos, que deverá se chamar “Poemas do gozo e seus movimentos”.
Sobre o Fliaraxá
A CBMM apresenta, há 12 anos, o Festival Literário Internacional de Araxá, um festival literário com atividades acessíveis, inclusivas, antirracistas, éticas, educativas e em equilíbrio com a diversidade, economia criativa, raça, gênero e pessoas com deficiência. Toda a programação é gratuita, garantindo a democratização do acesso. O Fliaraxá tem, também, o patrocínio do Itaú, da Cemig e do Bem Brasil, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Participam, na qualidade de apoio cultural, a Prefeitura de Araxá, a Fundação Cultural Calmon Barreto, a TV Integração, a Embaixada Francesa no Brasil, o Institut Français e a Academia Araxaense de Letras. Todas as atividades do Festival são gratuitas, com a curadoria nacional de Afonso Borges, Tom Farias e Sérgio Abranches e curadoria local de Rafael Nolli, Luiz Humberto França e Carlos Vinícius Santos da Silva.
Serviço
12.º Festival Literário Internacional de Araxá – Fliaraxá
De 19 a 23 de junho de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Programação presencial na Fundação Cultural Calmon Barreto (Praça Artur Bernardes, 10 – Centro), e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @fliaraxa
Entrada gratuita
Informações para a imprensa: imprensa@fliaraxa.com.br
Jozane Faleiro – 31 99204-6367/ Letícia Finamore – 31 98252-2002