Existe uma fórmula para a literatura policial? Se sim, como fugir dela para criar uma narrativa inovadora? Esse foi um dos questionamentos da mesa “Romance Policial” com participação da Santiago Nazarian, Raphael Montes e Eliana Alves Cruz. Todos eles têm ligação com ao gênero, passando também pelo audiovisual, como é o caso de Raphael Montes, pela tradução, terror e suspense, como Nazarian.
É um consenso entre os três que todos os gêneros têm os seus clichês ou mesmo uma base na qual os escritores se apoiam para a criação. No entanto, se ater a isso não é enriquecedor nem para a história e nem para o leitor. “Uma coisa que nós temos em comum nessa mesa é esse lugar no qual estamos com um pé em cada canoa. Percebo uma vontade de contar uma história, bebendo de um gênero específico e, ao mesmo tempo, fazendo literatura como um todo”, destaca Raphael Montes.
De acordo com ele, a literatura policial se apoiou nos clichês do crime e da investigação apenas no início. Aos poucos, os escritores perceberam que podem extrapolar e dialogar o gênero com a sociedade, até mesmo colocar a própria realidade dentro da narrativa. Dois exemplos disso estão em obras de Eliana Alves Cruz. O primeiro livro publicado por ela, “Água de barrela”, ficcionaliza a história da própria família. “É muito importante refazer essas histórias para que a gente se entenda na profundidade e se explique nas coisas”, destaca a escritora.
O outro exemplo é o título “O crime do cais do Valongo”, que narra a história do local no Rio de Janeiro que foi porta de entrada para cerca de um milhão de escravizados entre 1811 e 1831. A história foi construída com base nos gêneros romance, histórico e policial.
Literatura como fator de transformação
Por mais que os livros dos autores falem de questões caras à sociedade, Santiago Nazarian não acha que a literatura seja fator de transformação simples e imediato. “Eu sou um pouco cético quanto ao poder da literatura. Pois um trunfo dela é falar coisas que você não fala em lugar nenhum”, explica. De acordo com ele, a literatura tem um poder de comoção menor. Entretanto, quando alcança o público, a transformação é mais profunda do que em outras artes, já que a pessoa fica dias com um livro por exemplo.
Esse poder de complexidade da literatura é também admirado por Raphael Montes. “Eu não gosto de artes que claramente apontam o dedo para alguma coisa. Gosto daquela que lança mais perguntas e questões”, destaca. Ainda de acordo com ele, sempre busca “naturalizar” as coisas em vez de bater na tecla da representatividade. Personagens que fazem parte de grupos minoritários entram nas narrativas como qualquer outro personagem.
No entanto, Eliana Alvez Cruz arremata refletindo e questionando essa ideia. “Naturalizar as pessoas é uma missão, mas, ao mesmo tempo, trazer esses protagonistas agora também é”. Finaliza afirmando que se não contarmos as histórias dos povos negros, do grupo LGBTQIA+, indígenas, mulheres e outras minorias, a tendência é reproduzir os lugares comuns. Gerando, assim, o apagamento e o silenciamento desses grupos.
SOBRE O FLIARAXÁ
O Fliaraxá foi criado em 2012 pelo empreendedor cultural e diretor-presidente da Associação Cultural Sempre um Papo, Afonso Borges. As cinco primeiras edições aconteceram no pátio da Fundação Calmon Barreto e, a partir de 2017, o festival passou a ocupar o Tauá Grande Hotel de Araxá, patrimônio histórico do Estado de Minas Gerais, edificação construída em 1942. Naquela edição, nasceu também o “Fliaraxá Gastronomia”. Cerca de 140 mil pessoas passaram pelo festival. Mais de 400 autores participaram da programação.
IX FLIARAXÁ – FESTIVAL LITERÁRIO DE ARAXÁ – 28 DE OUTUBRO A 1.º DE NOVEMBRO DE 2020
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Texto por Jaiane Souza/Culturadoria